quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Carta não enviada.




"Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas." Fernando Pessoa sabia mesmo o que dizia, não importa qual pseudônimo usasse. Dessa forma, me permita ser ridículo também e te dizer:


O amor sobrevive a nós.
       
Eu, fraco como sou e dado a saudade, não resisti a velha caixa vermelha.
Empunhado de um martelo, a quebrei por inteiro, mais por desespero do que pela falta da chave.
Constatei o que já sabia, as cartas não chegam mais.
O carteiro traz contas e propagandas e os outros papéis.
Todo papel na minha mão é trabalho.
Na caixa vermelha, que jaz sobre o chão, estão as mesmas e velhas cartas que já li e reli tantas e incontáveis vezes.
São de amores juvenis, sinceras, cheias de palavras que só poderiam serem escritas sem a experimentação da vida ou com aquela mais própria das crianças afortunadas.

Não precisarei de mais cartas.
Tenho minha porção e ela me basta.
Há sempre uma novidade em folhá-las.
Vejo nas entrelinhas nuances que os olhos rígidos que já tive não me deixaram apreciar.

Hoje, especialmente, revejo as cartas da minha terceira namorada.
Dizem que a terceira é inesquecível.

São precisamente nove cartas, um bilhete, dois postais comemorativos e quatro folhas de poemas impressos. Ela adorava citar Mario Quintana e Shakespeare, escrevia ao fim do dia, quase sempre entre 20 e 22 horas. Por duas vezes assinou as cartas exatamente às 00h25 - como o espetáculo de um raio que se repete. Achei engraçado a escolha na alternação das canetas, fora poucas exceções ela usava o vermelho, o preto e o azul - nessa ordem.
Li cada palavra escrita, tudo me parecia novo, mas já datava 5 anos.

Não resisti de novo.
Agora não estou empunhado do martelo, à mão caneta e papel, escrevo:

Quero que sejamos apenas nós quando todos forem embora - as luzes se apagarem.
Eu andei tanto, eu errei tanto e eu senti tanta saudade até chegar aqui.
Deus é testemunha que não são apenas as tatuagens que marcam meu corpo.
Não, não sou bom com as palavras, elas me fogem quando mais preciso.
As aparências enganam, mas eu acho que nunca a enganei, no fundo você sempre soube que a amo.
Aliás, perdão, talvez, ame outra pessoa.
Uma com seu endereço, com seu nome, com seu cheiro, com seu olhar quase doce e que agora já não é talvez.

Ler também: Corpos Transeuntes

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